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Apr 10, 2019

Joana Amaral Dias é psicóloga, comentadora e política. Conversámos sobre Psicologia Política, a propósito do seu livro “O Cérebro da Política - Como a personalidade, emoção e cognição influenciam as escolhas políticas”. Este é um dos temas que me têm dado mais que pensar nos últimos tempos, sobretudo desde que gravei a série de episódios sobre Orientações Políticas.

A Psicologia Política é, então, o estudo de como as diferenças psicológicas entre as pessoas - como a personalidade, as emoções, os valores ou mesmo a cognição - ajudam a explicar, por exemplo, o eterno mistério de duas pessoas igualmente bem intencionadas e capazes, chegarem a visões políticas antagónicas. Dito isto, vale a pena, se calhar, esclarecer que o objectivo da PP não é reduzir a política à psicologia. Claro que o nosso egoísmo nos leva a alinhar com visões políticas que defendam a nossa posição na sociedade, e é claro que o próprio meio em que nascemos influencia a nossa posição. Mas o que é incrível, e que a Psicologia Política ajuda a explicar, é que isso não é suficiente para explicar porque é que pessoas, por exemplo, dois irmãos que nasceram no mesmo meio e receberam a mesma educação chegam a visões políticas diferentes.

Durante a conversa, falámos sobre uma série de aspectos da influência da psicologia na política. Começámos por uma das descobertas fundacionais desta área: o facto de o nosso julgamento moral e político começar sempre por uma intuição, isto é, de forma inconsciente. É dessa forma inconsciente - e muitas vezes de forma emocional - que formamos a nossa visão - positiva ou negativa - sobre, por exemplo, o que defende determinado partido ou político. Só depois é que a nossa ‘mente racional’ entra ao serviço e vai sobretudo ter o trabalho de justificar aquela conclusão apriorística, e, só muito raramente, rever criticamente essa conclusão. É muito curiosa esta descoberta e, para mim, de certa forma - lá está - intuitiva. Ocorreu-me logo, por exemplo, a descrição que o Francisco Mendes da Silva fez, no episódio que gravámos, sobre como se tinha tornado conservador muito cedo na vida, com a sistematização dessa perspectiva a ocorrer só mais tarde.

A comprovação de que o nosso julgamento moral é, primeiramente, intuitivo, deve muito ao trabalho do psicólogo moral Jonathan Haidt, cujo livro ‘The Righteous Mind’ (algo como ‘A Mente Íntegra’) me foi recomendado, em boa hora, por dois ouvintes - João Cotrim de Figueiredo e Pedro Macedo Alves - a quem aproveito para agradecer.

Compreendendo, então, que as nossas opiniões são formadas sobretudo de forma inconsciente, rapidamente percebemos que a nossa forma de pensar, o nosso software mental, tem um papel importante. Por isso, as diferenças de personalidade são essenciais para explicar porque é que pessoas diferentes têm visões distintas do mundo e da política. E foi disto que falámos a seguir na conversa, usando como referencial o chamado ‘modelo dos cinco factores’, o modelo com maior validação empírica na Psicologia da Personalidade. A propósito desse modelo, recomendo ouvirem, se ainda não o fizeram, o episódio #11, com Margarida Pedroso de Lima. Estas características de personalidade são facilmente observáveis sobretudo nos próprios políticos. Falámos, aliás, de alguns casos portugueses que é interessante analisar por esta lente.

Das diferenças de personalidade entre as pessoas partimos para as diferenças ao nível dos valores com que cada um de nós se identifica. A principal diferença é que a personalidade tem sobretudo que ver com a nossa forma de pensar, enquanto os valores representam juízos concretos, isto é, aquilo que acreditamos, que sentimos, estar certo ou errado, ser importante ou irrelevante. A propósito dos valores, socorremo-nos do dito livro de Jonathan Haidt, de que falei há pouco, que organiza os valores universais da Humanidade (encontrados em todo o tipo de culturas) em cinco dimensões:

  1. O cuidado e a empatia pelo outro
  2. A justiça, que pode implicar princípios de igualdade ou, pelo contrário, de meritocracia
  3. A lealdade ao grupo
  4. A autoridade e tradição
  5. A liberdade, isto é, a rejeição de restrições externas à liberdade individual

Como é fácil de perceber, diferentes valores estão associados, de uma forma até mais clara do que as diferenças de personalidade, a preferências políticas diferentes entre as pessoas, e por vezes contraditórias.

Durante o resto da conversa, tivemos ainda tempo para falar sobre o grande mistério de qual é a origem de todas estas diferenças entre nós (quanto é culpa genes, quanto é causado pelo meio em que crescemos ou a educação que tivemos). Falámos, ainda, sobre liderança na política, e a distinção entre líderes que procuram “poder sobre” e aqueles que buscam “poder para”, que tem sido muito estudada na Psicologia Política. Mesmo a terminar, perguntei à convidada, que sempre se assumiu de esquerda, que valores tradicionalmente da Direita é que tinha ficado a ver de uma forma mais positiva depois deste trabalho de investigação.

Resumindo, antes só de passarmos à conversa, esta é uma área fascinante e que me tem ajudado não só a ser muito mais compreensivo com quem pensa de forma diferente de mim, como também a tentar aprimorar a minha própria filosofia política de forma a corrigir os enviesamentos que a minha intuição inevitavelmente traz. Embora, como digo durante a conversa, seja difícil fugirmos ao nosso ‘software moral’, pensar sobre estes temas tem-me tornado, julgo, um pensador mais robusto. Por exemplo: ao compreender a relevância de alguns valores da direita, dou hoje mais valor, por exemplo, a preservar instituições que vêm de trás (e que por algum motivo subsistem) e à necessidade de manter uma sociedade estruturada. Da mesma forma, compreendendo a  relevância de alguns valores da esquerda, reconheço hoje que a minha preocupação inata com as chamadas liberdades negativas é, em certa medida, um enviesamento de privilegiado, e que tem de ser temperada pela necessidade de intervir para corrigir desigualdades e, noutra dimensão, pelos limites práticos à chamada meritocracia.

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Ligações:

Bio: Psicóloga e exerce psicologia clínica desde 1997. Licenciou-se em Psicologia, ramo de Psicologia Clínica, pela Universidade de Coimbra, tendo igualmente concluído a componente teórica do Ramo de Psicossociologia das Organizações. Fez o Mestrado em Psicologia do Desenvolvimento, também na Universidade de Coimbra. Pós-graduou-se em Terapia Familiar Sistémica e em Psicodrama (é sócia didata da Sociedade Portuguesa de Psicodrama), foi bolseira da Fundação para a Ciência e Tecnologia e doutoranda pelo Chicago Center for Family Health/ University of Chicago e pela Universidade de Coimbra. Leccionou em diferentes universidades, colaborando com o Instituto Superior de Psicologia Aplicada desde 2004, designadamente nas disciplinas de Modelos de Desenvolvimento e Processos de Inclusão/Exclusão Social e de Minorias étnicas e culturais. Foi dirigente associativa, deputada à Assembleia da República, dirigente partidária e mandatária para a juventude da candidatura presidencial de Mário Soares. Convidada para inúmeros colóquios, seminários e conferências, publicou dois livros sobre temáticas políticas, nomeadamente Maníacos de Qualidade (2010) e Portugal a Arder (2011). Colabora assiduamente em jornais, revistas e televisão enquanto comentadora/analista política, sendo que a Psicologia Política, a confluência da sua formação em Psicologia e da sua atividade política, é um dos temas mais significativos da sua pesquisa